Maria Antónia Palla foi a primeira em muita coisa. É mãe do nosso primeiro. E conhecer-lhe a vida é fascinante. Ser feminista hoje é fácil. Lutar há 70 anos era muito mais difícil. Foi a frase da avó paterna que lhe traçou a vida: “Só se tiveres o teu próprio dinheiro é que serás uma mulher livre”. Casou, de vermelho e não quis ir pelo braço do pai. Não era mercadoria para ser entregue. Amou este primeiro marido até ao fim dos seus dias. Mas casou mais duas vezes. Casou antes e depois do 25 de abril. Tornou-se jornalista depois dos 30. Disse-me hoje talvez ter sido o dia mais feliz da sua vida. Cumpria assim um sonho de criança quando visitou com o avô um jornal e lhe ficou o cheiro da tinta. Os homens não gostavam de mulheres nas redações. Ela lá esteve. Esteve para ser presa com um trabalho sobre o aborto, ainda ilegal à altura em Portugal. Na época mais de 300 mil abortos eram feitos no país em condições difíceis. Chamou a atenção para a realidade. É de causas. Até hoje. Tem 86. Vê o filho mais na televisão. Percebe a vida difícil que tem. Mas sente também um orgulho imenso do seu percurso. Viveram sozinhos, depois da separação, alguns anos. António é filho único. Maria Antónia sempre quis só um filho. António veio porque morreu a irmã aos 3 anos. Dessa perda não quis falar. Aliás, foi nas perdas que as lágrimas lhe caíram. Porque não consegue gerir as saudades. Aos 86 já perdeu muita gente. Continua bonita. Entusiasmada. É muito mais do que a mãe do Primeiro-Ministro. É uma mulher que o foi em condições muito diferentes das nossas. E foi mulher com tudo a que tem direito. Desde o dia em que nasceu.